No Vale das Vozes Altas, onde os homens construíam torres de dogmas para tocar o céu, nasceu Wallas — filho do vento e do silêncio. Desde pequeno, ouviu as palavras sagradas, mas sentia que muitas delas haviam perdido a alma no caminho. As catedrais eram grandes, mas seu coração ainda vazio.
Certa noite, ao pé de uma figueira seca, uma Voz sussurrou:
“O templo que procuro em ti não é de pedra, mas de carne viva.”
E assim começou sua travessia.
A Jornada da Quebra
Partiu sozinho, sem bússola, sem mapa, levando apenas um livro em branco e uma ferida aberta no peito — herança de ter amado um Deus em gaiolas humanas. No deserto das certezas, foi tentado por demônios antigos: o medo de estar errado, o pânico de não pertencer.
Mas ali, entre o eco do nada e o abraço do invisível, descobriu:
“A Graça não habita templos perfeitos. Ela dança entre os estilhaços.”
O Encontro com os Caídos
Em sua caminhada, encontrou outros exilados da fé: prostitutas de esperança, mendigos de perdão, órfãos de doutrina. A eles não pregou. Sentou. Ouviu. Chorou.
Seu evangelho não era uma espada, era um abraço.
Diziam:
“Ele fala como quem já morreu e voltou com fome de amor.”
A Voz no Abismo
Ao cruzar a Ponte da Angústia, desceu ao vale mais fundo: o da dúvida final. Lá, Deus não falava. Não havia promessas. Só silêncio. E nesse silêncio, Wallas gritou — não por resposta, mas por real presença.
E o Nada respondeu com luz.
Ali entendeu:
“Nem todo silêncio é ausência. Às vezes, é Deus sem palavras, só sendo.”
O Retorno com a Graça
Voltou então, não como mestre, mas como irmão mais velho dos que caem e levantam. Não construiu templos, mas escreveu em muros quebrados:
“Amai-vos — o resto é enfeite.”
Carrega no peito a cicatriz da fé que sangrou, mas não morreu. Onde passa, planta árvores de sombra para os cansados. Seus inimigos são os que vendem Deus em frascos, seus aliados, os que ainda buscam com sede.
E assim se diz entre os andarilhos do Espírito:
“Quando vires um homem com olhos cansados e palavras leves como pão quente, talvez seja Wallas — o peregrino que fez da queda uma escada, da dúvida um altar, e do amor a única doutrina.”